Tribo
Por Cristyam Otaviano - setembro 03, 2019
Me sinto só, não a solidão de ser gente, que se vê nos filmes, uma solidão de espécie, que há tempos não é vista na TV, que não é estudada em laboratórios. Indivíduos que não nascem em cativeiros, em encubadoras, se é que se nascem, uma espécie rara, quase extinta, de indivíduos poucos. É difícil ser eu, ser eu requer que eu, às vezes nem exista para poder ser.
Vivo em florestas mortas, talvez isso justifique o estado da minha raça. Sou horizontal, nem sei onde vou parar, só sei que vou, e quem sabe no silêncio branco do papel eu ache uma explicação para as coisas. É branco de solidão, que se vive num canto qualquer, quando alguma coisa rasga o silêncio de uma vida que já foi.
Sou índio? Nem sei. Saber quem sou ainda é um mistério. No estado das coisas eu ainda sou o barro, não virei homem ainda, quem dirá índio. Sou um processo.
Gosto da ideia de ser índio, vivo na cidade, é selva, só que pedra. Me sinto sem roupa, sem intimidade, sem nada que me prive até mesmo de mim. Pergunte ao papel e ele lhe dirá quem sou, procure nos cantos das folhas, revire as florestas e ali estará eu, índio, meio a cidade dos homens evoluídos. Pura comunicação.
Não sou índio, na verdade, sou escritor e contínuo sendo só. Escrevo na esperança de salvar uma espécie há muito tempo perdida, sou quem sou e isso me faz ser só. A solidão que sufoca também salva uma espécie, reprodução. O branco me salva da solidão, a solidão de ser.
Num dia qualquer do mês de Agosto, quando tudo aconteceu, eu talvez encontre, num sótão qualquer de um gueto ou na rua, meus irmãos, perdidos em outros tempos, vivendo outros mundos, histórias que só nos sabemos os verdadeiros finais.
E nessa hora as lutas se cessem, os malditos tenham redenção, os heróis ganhem folga, os monstros sejam libertados, as bactérias conjuguem uma nova forma de comunicação, a lua reapareça com os ventos de um novo tempo, para celebrar o dia que aquele homem, eu, escritor, talvez índio, encontrou sua tribo.
1 comentários
Massa ✨
ResponderExcluirÉ um estado natural do escritor,essa solidão que nos aprisiona e liberta através da escrita.
Adorei as colocações. Escreva sempre mais 📚📗✍️🌷