Coração de tinta

Por Cristyam Otaviano - dezembro 28, 2020

Vou te confessar, eu dormi com meu personagem.

São muitos papeis, em alguns dele até já chorei. Há nomes espalhados por todos os cantos, listas de passados que acabaram. Orações, santos e pagéis. Parece uma festa, mas é uma mesa de jantar. Amores pagãos, vidas insignificantes, desfechos de heróis que não possuem poderes e nomes que todos já ouviram.

Chamo um para conversar, conhecer o passado. Há quanto tempo que não nos vemos? Como foi viver todo esse tempo numa gaveta qualquer? Desculpa minha distância, mesmo estando tão perto, é que tenho esquecido até de mim mesmo. As histórias pareceram se confundir. A realidade acontece antes da ficção.

Os tempos hoje já não são mais os mesmos, o mundo lá fora é perigoso, as pessoas estão loucas, é confuso viver hoje. Saia sem hora para voltar, mas volte, não tenha destino, só não vá muito longe. As ruas estão cheias de pessoas mortas, tentando muito viver uma vida pouca. Cuidado quando decidir ir embora.

Você é feito de tinta, então se esconda da chuva. És bonito, lindo, te fiz forte, te fiz para ser meu, mas teu coração se desmancha fácil, garoto. Cuidado onde for mergulhar. O tempo vai provar da tua existência, os homens te conhecerão em verdade. Tu ainda é um mistério.

Nem sei bem para quem falo, só sei do que quero dizer e nada mais. Corações de tinta, pensamentos em papel, peitos em chama, vontades no ar. Nunca ouvi tua voz, nem sei bem como tu és, mas se me permitir posso passar o resto dessa noite do teu lado. Se quiser eu te faço eterno, inesquecível.

Posso provar do teu amor? A cama é de solteiro, mas tem muito espaço vazio nela, eu ainda sou pequeno e não preciso de muito. Lá cabe bem nós dois. Me conta tuas histórias, me fala como foi o tempo sem mim, diz quem tu descobriste ser naquela gaveta. Te vivi em mim por muitas noites, hoje sentei aqui e comecei a te falar.

Desculpa meu choro fácil, há felicidades fazendo uma festa no meu peito. São tempos de felicidade garoto, tive saudade tua. A chuva já passou e por sorte posso te levar para passear. O caminho já está escrito, uma hora conhecerás a verdade. Tenho medo do amanhã, de como será após o fim, e digo aqui, teu fim ainda não está pronto.

Em uma carta estará meu adeus. Quando a história acabar, estaremos todos nas mãos do próprio destino, pois só me é conhecido até o último nascer do sol. Talvez nem eu exista mais, por isso garoto, se prova de ti, me conquista nos dias que estiver por aqui, mergulha em mim, mas não vai fundo, que eu sou todo água e o teu coração é feito de tinta.




  • Compartilhe:

Leia Também

0 comentários