Cicatrizes

Por Cristyam Otaviano - junho 23, 2014


Estavam lá, na sala, três garotos, primos. O mais alto e mais velho era magricela, ele dizia-se rico, dispunha de toda nova tecnologia, videogame lançado e trocava de celular sempre que podia, mas faltava o intelectual, ele repetiu a mesma serie várias vezes. O mais novo, branquelo, era chamado pelos parentes de "rato de laboratório" — até que fazia sentido — ele era criado pela avó, e pode-se dizer que foi uma criação cheia de frescuras e privações, ele vivia em um quarto abarrotado de brinquedos o que dava inveja em qualquer criança daquela idade. Já o do meio era corado e diferente dos outros dois, ele era o mais louco e mais inteligente, porém a maior parte da família tinha certa aversão pelo garoto, pelo seu jeito diferente por ter sido criado longe da família.


Os familiares estavam todos na cozinha, conversavam sobre tudo, e ficava praticamente impossível de saber quem e sobre o que eles falavam, pois, as vozes se asfixiavam. Os três garotos pareciam não se importar com o barulho vindo de lá, a final isso sempre acontecia quando a família toda se reunia. A casa tinha um corredor, que ligava a sala a cozinha, e dele raiava porta de quartos.

Na pequena sala, havia dois sofás e algumas cadeiras, já que eles não comportavam o porte da família, e quando não estavam na cozinha estavam na sala que dava de porta com a rua, e sempre os anciãos ocupavam duas cadeiras, onde o menino do meio estava sentado, os outros dois ocupava cada qual um sofá. Quando de repente eles começaram um dialogo nostalgia.

–Era massa, a época em que a gente brincava de carrinhos — falou o mais velho.

–Era sim, lembra o quintal todo bagunçado ai nos fazíamos às pistas para os carros — respondeu o do meio, o mais novo entendia o que eles falavam, mas não participava do dialogo, já que ele não era presente na época, na vida dos outros primos — Lembra que todo dinheiro que a gente pegava era para comprar carrinhos — completou o garoto.

Anos atrás os garotos entraram na mania dos carrinhos e todo o dinheiro deles eram para comprar esses carrinhos, eles passavam horas e mais horas na loja onde eles eram vendidos, e lá eles se desconectavam do mundo, eles não se cansavam, não sentiam fome só o desejo de possuir cada vez mais carrinhos. Eles passavam horas na loja para decidir que carrinho levar em meio a tantos e só então voltavam para casa, alegres. Porém, logo a alegria passava e os garotos davam-se conta de que precisavam de um carro novo.


Créditos: Flickr
–Lembra-se do parque? — perguntou o mais velho ao do meio.

–Lembro sim, como esquecer o parque se foi ele que marcou nossas férias? — era verdade em todas as férias de julho os garotos da pequena cidade do interior ansiavam pela chegada do parque ali.

O garoto mais velho nas férias valia-se da sua riqueza, ele chegava a comprar cinquenta reais de ingressos de uma só vez, quando os demais garotos chegavam a comprar dois ingressos, o que os davam o direito a dois brinquedos a cada semana. O primo mais velho, sempre andava com o do meio onde quer que fosse, já o mais novo era sempre capacho da avó e de sua tia — quase babá — e vivia preso pelas (milhares) de regras e imposições da sua avó gorda. Voltando ao parque, os garotos davam-se ao luxo de poder ir a vários brinquedos e só parar quando os eles tornavam-se algo tedioso e então eles voltavam para a casa dos avós.

–Vocês num sabe nem brincar, vocês ficam é quebrando os carros, colocando eles na areia, no piso — falou o mais novo.

–Pelo menos a gente usa os nossos, ao invés de deixar eles na estante ou nas caixas ou nos porta carrinhos nas paredes de enfeite — respondeu o do meio.

Aquilo calou o mais novo, era verdade, um dos luxos de viver com sua, avó eram os brinquedos que ela fazia questão de que o menino pertencesse porém, que não os usasse. Os brinquedos que ele usava (coitado), pareciam achados do lixo, velhos quebrados, totalmente diferente daqueles ali na prateleira, belos, limpos, novos e além de tudo caros, porém, nunca usados.

Happy Sunday

Os dois garotos retomaram a linha de dialogo, então quebrada pelo primo mais novo.

–E naquele dia que a gente fez um buraco, no muro do terreno ali ao lado, com uma bomba—  falou o do meio com um brilho nos olhos.

–Sim, até a Priscila estava com a gente lá — completou o mais velho.

Um dos passatempos prediletos dos primos era explodir bombas na rua em que morava isso deixava os moradores furiosos, e eles amavam isso. Inclusive o do meio carregava consigo uma cicatriz de um desses dias de bombas. Era lá pelas quatro da tarde, fazia um lindo dia, eles resolveram fazer mais um rasgo no muro do terreno baldio, e o fizeram. A parte mais emocionante do passatempo, era quando eles acendiam a tal bomba e corriam em disparada para longe, e foi assim que o garoto do meio tropeçou na hora de correr e ralou o joelho deixando uma memória permanente na pele, como uma tatuagem, marcando aquele momento.

–E aquela tua queda. Cara foi muito comédia —  falou o mais velho, começando a rir.

–Foi mesmo, na hora eu só queria correr pra não entrar em confusão, doeu, mas eu ria para não chorar — falou o garoto do meio levantando a bermuda para ver a cicatriz que ainda estava ali — ainda tá aqui a cicatriz.

Então o mais novo falou:

–Nossa como seu joelho é feio, cheio de cicatriz.

O do meio procurou palavras para responder o primo mais novo, mas não as encontrou, e não falou:

–Isso é sinal de que eu fui livre, solto, feliz diferente de tu, criado preso sem poder fazer isso ou aquilo... — o garoto vasculhou sua mente em busca de mais significados para aquelas cicatrizes, porém não achava. Por vez o mais novo calou-se e o olhou com cara de quem não entendeu nada, mas deixou aquilo de lado, não quis mais subestimar a inteligência e o falar do primo, pois o reconhecia como um garoto inteligente.

O silêncio se instalou entre os três, foram calados pelas vozes dos familiares na cozinha, e a risada da gorda, vó do primo mais novo, estremecia o lugar. Mas o garoto do meio ainda vasculhava sua cabeça para uma resposta para o primo mais novo, nada. Ele não encontrava palavras para dar sentido às cicatrizes e consequentemente a sua infância. Dando conta da sua busca vã, ele resolveu ficar em silencio, mas, na verdade ele só queria dizes que sua infância tinha valido a pena e que não haviam motivos para esconder suas cicatrizes, suas tatuagens de alegria, tristeza, quedas, pancadas e tombos.

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